quarta-feira, 8 de julho de 2009

Quem Estuda(rá) o Antropólogo?

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O antropólogo, através da antropologia, estuda o homem no geral - pelo menos, este é o significado etimológico dessas palavras, ignorando, por enquanto, as suas imprecisões. Mas, segundo alguns autores, esse é o fim último da antropologia ou a fase mais avançada da investigação nessa área (Marconi & Presotto, 1989: 26; Copans, 1999: 13). Assim, num caso ou noutro, o objecto de estudo da antropologia inclui o próprio antropólogo.

Nas fases mais primárias da investigação, entretanto, o antropólogo é o sujeito. Ele estuda o Outro, como diz Adams (1998: 1), antes de fazer uma reflexão sobre si. Possivelmente em contradição com Lévi-Strauss (Marconi & Presotto, 1989: 26), Adams (1998: 1) diz que a antropologia é "o estudo sistemático do Outro.”[1] Eu diria que o homem exótico ou o Outro quase que nunca deixou de ser a simpatia talvez não do antropólogo mas do etnógrafo e do etnólogo. Talvez fosse mais acertado usarmos um desses dois últimos substantivos ou mesmo os dois para designar muitos antropólogos.

Parece-me que ninguém nos instrui abertamente a nos limitarmos a estudar o Outro na antropologia. Mas, pela prática dos noviços, acredito que essa informação nos é transmitida. Pode até não nos parecer estarmos a estudar o Outro, o Exótico, porque "o Outro sou eu próprio [...] porque o universo social contemporâneo dissolveu até ao mais profundo de cada um de nós as referências de identidades que ordenam as principais diferenças de civilização, de cultura, de género, de pessoa." (Copans, 1999: 10). Todavia, apesar dessa alegada dissolução, hoje estudamos o nosso vizinho que é diferente de Nós. Estudamos o nosso vizinho marginal; que tem comportamento de risco em relação ao VIH e SIDA; que tem uma religião diferente da nossa ou que é membro duma seita. Com efeito, esses vizinhos são quem atrai os antropólogos. Talvez um pouco diferentemente de Adams, eu diria que, hoje, como sempre talvez, queremos sempre ajudar nosso vizinho-objecto de estudo. Para Adams (1998: 2), o Outro nunca é moralmente neutro: ele é melhor ou pior do que Nós, é diferente ou semelhante. Para mim, Nós, os antropólogos, somos sempre melhores e diferentes. Acho que uma prova disso é a própria antropologia de intervenção. Pretendemos, com a nossa pesquisa, fazer com que os nossos vizinhos deixem de ser marginais; deixem de ter comportamentos de risco; deixem crendices de lado. Assim, o antropólogo é o modelo que os Outros devem seguir, como se ele se compreendesse a si mesmo.

De facto, quem estudará o antropólogo? Será o próprio antropólogo? Quem fará etnografia e etnologia sobre esse grupo de pessoas designadas antropólogos? Nesse caso, talvez essas disciplinas deixariam de ter a parte etno da palavra por alguns acreditarem ser pejorativa (Ver Chapman, McDonald & Tonkin, 1989: 12-14). O antropólogo não quereria, pois, rebaixar-se a si mesmo... Apegando-me àquilo que me ensinaram, quem estudará o exotismo na vida do antropólogo? Quem estudará antropólogos desempregados ou que estejam a fazer algo diferente da antropologia para continuarem a viver; quem estudará antropólogos que são formados para formarem outros antropólogos, como se o fim da antropologia fosse produzir antropólogos; quem, pois, estudará esse exotismo que parece que só os outros é que vêem? Como é que o antropólogo se atreverá a estudar a si mesmo, visto que a antropologia estuda o homem no geral, sem fazer antes uma etnologia de si?

Referências Bibliográficas

ADAMS, William Y. The philosophical roots of anthropology. Stanford: CSLI Publications, 1998.

CHAPMAN, Malcolm, MCDONALD, Maryon, TOKIN, Elizabeth. History and ethnicity. London/New York: Portledge, 1989.

COPANS, Jean. Introdução à etnologia e à antropologia. Publicações Europa-América, Lda., 1999.

MARCONI, Marina de Andrade, PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1989.


[1] Texto traduzido pelo autor do inglês